'Meu aniversário': mulher em situação de rua emociona com placa em BH
Da Argentina para BH, Araceli Romina atraiu a atenção da população debaixo do Viaduto Pedro Agnaldo Fulgêncio
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Siga noEsta terça-feira (10/6) não é só mais um dia na vida de Araceli Romina em Belo Horizonte. A argentina comemora seus 38 anos de forma simples, mas cheia de significado: debaixo do viaduto Pedro Agnaldo Fulgêncio, na Avenida Francisco Salles, Bairro Santa Efigênia, Região Leste da capital. Ali, no improviso da rua, ela colocou uma placa feita à mão para lembrar a quem a que hoje é o seu aniversário.
Araceli vive em situação de rua com o marido, Guilhermo Javier, de 53 anos. Eles estão juntos há 25 anos, dos quais 15 aram em movimento constante, estado por estado do Brasil, como ela mesma conta. Nos últimos anos, comemoraram os aniversários em lugares diferentes: Bahia, São Paulo e agora Belo Horizonte, onde chegaram em dezembro de 2024.
Desde então, o casal vive debaixo do viaduto, dividindo espaço com mais duas pessoas no lado esquerdo da estrutura. “É uma vida difícil, mas não é impossível. Para Deus, nada é impossível” diz ela, com firmeza.
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O espaço onde moram, embora improvisado, reflete cuidado e dignidade. Araceli mostra com orgulho a barraca onde vive com Guilhermo, um abrigo pequeno, mas organizado, malas bem dispostas, roupas por lavar cuidadosamente separadas, louças limpas e três cães que os acompanham, entre eles o mais novo, um cão gordinho de apenas um mês que repousa tranquilamente no colo dela enquanto observa o movimento da rua.
Uma manhã de aniversário
A rotina de Araceli no dia do próprio aniversário começou cedo, como em todos os dias. Ela acordou, lavou roupas com água e sabão doados por uma jovem que a por ali com frequência, tomou banho e café. Ainda não tinha saído para caminhar, mas logo pretendia cozinhar o almoço que, naquele dia, era mais do que especial, afinal, era o seu aniversário.
Um prato típico do seu país simples e saboroso feito com ovo, cebola e carne moída, ingredientes doados que se transformaram em uma refeição que, para ela, vale ouro. E, claro, não poderia faltar o bolo dado por amigos para celebrar a data. “Com o pouquinho que eu tenho, sou feliz” afirma, sorrindo. “Hoje é meu dia. Estou feliz”.
Da Argentina para o Brasil
Nascida na capital da Argentina, Araceli carrega uma história marcada por distâncias e esperanças. Saiu do país em busca de uma vida melhor, ao lado de Guilhermo Javier, técnico em refrigeração, de 53 anos. Desde então, aram por diversos estados brasileiros, ajudados por prefeituras que ofereciam agens para que pudessem seguir adiante e até mesmo visitar a família na Argentina onde deixou a mãe e os irmãos.
Segundo ela, o caminho não é fácil. Para conseguir trabalhar de forma regular no Brasil, Araceli precisa de documentos que ainda estão em sua província de origem, Salta. O principal deles é o certificado de antecedentes penais essencial para tirar a carteira de residência na Polícia Federal.
"É difícil. A gente vai indo de estado em estado, mas para chegar até lá demora muito. Pode levar até três meses de viagem" explica. Apesar do cansaço e da burocracia, ela sonha com o dia em que poderá estar regularizada no país, trabalhar, conquistar uma casa e, então, realizar o maior desejo do casal: ter um filho.
A placa: um pedido de ajuda
A ideia da placa foi de Guilhermo, que quis criar um sinal visível tanto para pedir ajuda quanto para lembrar aos que am que ali existe vida, existe presença. “Foi uma ideia minha, né? De colocar uma placa aí para comemorar o aniversário da minha esposa e pedir uma ajuda”, contou ele. Araceli completou: “'Hoje é meu aniversário'. Escrevi, porque, mesmo invisível para muitos, ainda continuo aqui, com sonhos, memórias e fé.”
A placa improvisada, feita à mão, deve se repetir em breve, quando for a vez de Guilhermo celebrar mais um ano de vida. Assim, o pequeno gesto ganha um valor ainda maior, revelando que, mesmo na dureza da rua, há amor, parceria e resistência.
Sonho de família
O brilho nos olhos de Araceli cresce quando fala do sonho de ser mãe. "Esse é o maior sonho. Para ter um filho, eu preciso de uma casa. E para ter uma casa, preciso de um trabalho. O primeiro o é esse", afirma. O casal divide as dificuldades da rua e a cumplicidade de 25 anos juntos. Ele, apesar das limitações com a documentação, está pronto para trabalhar e acredita no Brasil como um país com mais oportunidades que a Argentina, mesmo com as adversidades.
Ela conta que Guilhermo também deseja ter filhos, embora já tenha outros de outro relacionamento. Araceli, no entanto, ainda não tem filhos e guarda esse desejo no coração. Ela mantém contato com os irmãos e acredita que vai conseguir falar com algum deles ainda hoje, mesmo que por telefone. O reencontro presencial, por enquanto, parece distante.
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A conversa termina com um abraço apertado, daqueles que só quem conhece a vida nas ruas pode entender. Um gesto simples, mas carregado de sentido. Ali, debaixo do viaduto, Araceli Romina completou mais um ano de vida. E, mesmo sem festa, presente ou parabéns em coro, ela celebrou com o que tem de mais valioso: coragem, fé e a certeza de que ainda há muito por vir.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino